“Não devemos acreditar em tudo nem duvidar de nada, não há consciência e responsabilidade sem informação.”
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Como começam as guerras?
Com um "ilusionista mestre", segundo Ralph McGehee, um dos pioneiros da CIA em "propaganda negra", hoje conhecida como "administração de notícias". Em 1983, ele descreveu-me como a CIA havia forjado um "incidente" que se tornou a "prova conclusiva da agressão do Vietname do Norte". Isto seguia-se a uma afirmação, também forjada, de que navios com torpedos haviam atacado um vaso de guerra americano no Golfo de Tonquim em Agosto de 1964.
"A CIA", disse ele, "carregou um junco, um junco norte-vietnamita, com armas comunistas – a Agência mantém arsenais comunistas nos Estados Unidos e por todo o mundo. Eles rebocaram este junco ao longo da costa do Vietname central. Então dispararam sobre ele e fizeram aparentar que tinha havido um incêndio, e levaram isto à imprensa americana. Com base nesta evidência, duas equipes de Marines aterraram em Danang e uma semana depois disso a força aérea americana começou o bombardeio regular do Vietname do Norte". Uma invasão que ia custar três milhões de vida estava a iniciar.
Os israelenses têm jogado este jogo assassino desde 1948. O massacre de activistas da paz em águas internacionais a 31 de Maio foi uma "pirueta" para o público israelense durante a semana passada, preparando-o para ainda mais assassínios por parte do seu governo, com a flotilha desarmada de trabalhadores humanitários a serem descritos como terroristas ou enganados por terroristas. A BBC ficou tão intimidada que relatou a atrocidade basicamente como um "potencial desastre de relações públicas para Israel", a perspectiva dos assassinos, e uma desgraça para o jornalismo.
Um ilusionismo semelhante preocupa actualmente os governos asiáticos. Em 20 de Maio a Coreia do Sul anunciou que tinha "prova esmagadora" de que um dos seus navios de guerra, o Cheonan, fora afundado em Março por um torpedo disparado por um submarino norte-coreano com a perda de 46 marinheiros. Os Estados Unidos mantêm 28 mil soldados na Coreia do Sul, onde o sentimento popular há muito apoia uma distensão com Pyongyang.
A 26 de Maio, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, foi a Seul e afirmou que a "comunidade internacional deve responder" ao "ultraje da Coreia do Norte". Ela viajou a seguir ao Japão, onde a nova "ameaça" da Coreia Norte convenientemente eclipsou a breve política externa independente do primeiro-ministro japonês Yukio Hatoyama, eleito no ano passado com a popular oposição à ocupação militar permanente do Japão pelos Estados Unidos. A "prova esmagadora" é uma hélice de torpedo que "tem estado a corroer-se durante pelo menos vários meses", informou o Korea Times. Em Abril, o director da inteligência nacional da Coreia do Sul, Won See-hoon, disse a um comité parlamentar que não havia prova ligando o afundamento do Cheonan à Coreia do Norte. O ministro da Defesa concordou. O chefe de operações militares da marinha da Coreia do Sul disse: "Nenhum vaso de guerra norte coreano foi detectado nas águas em que o acidente se verificou". A referência a "acidente" sugere que o navio abalroou um recife e partiu-se em dois.
Para os media americanos, a culpa da Coreia da Norte é indubitável, assim como não havia dúvida da culpa do Vietname do Norte, nem de que Saddam Hussein dispunha de armas de destruição em massa, nem de que Israel pode aterrorizar com impunidade. Contudo, ao contrário do Vietname e do Iraque, a Coreia do Norte tem armas nucleares, as quais ajudam a explicar porque não foi atacada, ainda não: uma lição saudável para outros países, tais como o Irão, actualmente no centro das atenções.
Na Grã-Bretanha, temos os nossos próprios ilusionistas mestres. Imagine alguém no estado apanhado a beneficiar-se de £40 mil [€45,4 mil] de dinheiro dos contribuintes numa fraude com uma segunda casa. Seguir-se-ia quase certamente uma sentença de prisão. David Laws, secretário chefe do Tesouro, fez o mesmo e é assim descrito:
"Sempre admirei a sua inteligência, seu sentido do dever público e sua integridade pessoal" (Nick Clegg, vice-primeiro-ministro). "O sr. é um homem bom e honrado. Estou certo de que foi sempre motivado pelo desejo de proteger a sua privacidade ao invés de qualquer outra coisa". (David Cameron, primeiro-ministro). Laws é "um homem de nobreza bastante excepcional" (Julian Grover, Guardian ). Uma "mente brilhante" (BBC).
O Clube Oxbridge e seus membros associados à política e aos media tentaram ligar o "erro de julgamento" e a "ingenuidade" de Laws ao seu "direito à privacidade" como gay, uma irrelevância. A "mente brilhante" é um rico banqueiro de investimento cultivado em Cambridge e corrector de ouro dedicdo à nobre tarefa de cortar os serviços públicos da maior parte das pessoas pobres e honestas.
Agora imagine outro responsável público, um dos grandes criminosos e mentirosos de guerra. Este responsável "articulou" a invasão ilegal de um país indefeso que resultou na morte de pelo menos um milhão de pessoas e o despojamento de muitos mais: com efeito, o esmagamento de uma sociedade humana. Se isto fosse nos Balcãs na África, ele muito provavelmente teria sido processado pelo Tribunal Penal Internacional.
Mas o crime compensa para os membros do clube. Em sintonia com o caso Laws, esta verdade foi demonstrada pela contínua celebração de Alastair Campbell, cujas frequentes aparições nos media proporcionam uma emoção indirecta para a intelligensia liberal. Para o Guardian, Campbell é "obstinado, por vezes mal direccionado, mas sem medo de pressionar onde outros podiam ter hesitado". O interesse imediato do Guardian é a publicação "exclusiva" dos diários "politicamente explosivos" e "não censurados" de Campbell. Aqui está uma amostra: "Sábado 14 de Maio. Telefonei a Peter [Mandelson] e perguntei porque ele não respondeu aos meus telefonemas de ontem. 'Você sabe porque'. "Não, não sei'. Ele disse que estava em brasa com a minha entrevista ao Newsnight".
Numa entrevista promocional ao Guardian, Campbell dispensou deste incesto datado, referindo-se assim ao banho de sangue de que foi o principal apologista: "Fez-nos o Iraque perder apoio em 2005?", perguntou retoricamente. "Sem dúvida..." Portanto, uma tragédia criminosa de escala igual à do genocídio de Rwanda foi minimizada como uma "perda" para o New Labour: um ilusionista mestre de notável brutalidade.
03/Junho/2010
O original encontra-se em http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=578
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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