“Não devemos acreditar em tudo nem duvidar de nada, não há consciência e responsabilidade sem informação.”
domingo, 23 de maio de 2010
Escassez de crédito na Europa
Jack Ewing
Judy Dempsey
A crise da dívida grega está se espalhando pela Europa e comprimindo o crédito, especialmente para as empresas de porte médio ou pequeno e para aquelas oriundas dos países percebidos como em risco, a exemplo de Portugal, Espanha e outras nações periféricas.
Para resumir, o crédito está mais escasso nos países que têm maior necessidade de crescimento econômico. De fato, para os governos como para as empresas, a crise vem expondo uma disparidade entre aqueles que têm e aqueles que não têm acesso ao crédito.
"Já não existe um custo de capital único para a zona do euro como um todo", afirmou Stephen King, economista chefe do HSBC, em nota de pesquisa na segunda-feira. "Parece que a nacionalidade começa a ter impacto crescente sobre os custos de captação. O mercado unificado é coisa do passado".
Os países favorecidos em termos de crédito abrigam empresas como a SAP, produtora alemã de software de gestão. A companhia emitiu em abril títulos de dívida no valor de 500 milhões de euros (US$ 610 milhões), com taxa de juros de 2,5%, que se compara favoravelmente à dos títulos do governo alemão, a referência do mercado europeu de dívida. O rendimento sobre os títulos federais alemães de 10 anos era de 2,836% na terça-feira.
Já os desfavorecidos incluem empresas como a Vostex, uma companhia familiar com 10 funcionários instalada em Peristeri, um subúrbio de Atenas.
"Os bancos estão segurando o dinheiro", disse Harry Vostantzoglou, presidente-executivo da empresa. Ele revelou que sua companhia não está no vermelho, e que antecipa que ela consiga sobreviver mesmo sem acesso aos bancos locais.
Ainda que a Vostex não tenha necessidade urgente de captação, disse Vostantzoglou, ele pode ter de retardar seus planos de expansão internacional, em larga medida porque seus principais clientes, na Grécia, estão reduzindo suas aquisições por falta de crédito.
Uma escassez ampla de crédito pode se traduzir em baixo investimento e criação de empregos. Caso a crise persista, seria muito mais difícil para países como Grécia, Portugal e Espanha colocar suas dívidas sob controle.
O índice de desemprego é superior a 10% na Grécia e Portugal, e a 19% na Espanha -o pior da Europa Ocidental.
Os bancos europeus, que ainda estão se recuperando da crise financeira, adotaram requisitos mais severos para conceder crédito ainda antes que o medo quanto à dívida soberana começasse a abalar os mercados, meses atrás.
Os empréstimos caíram em ritmo anualizado de mais de 2% no primeiro trimestre de 2010, de acordo com dados do Banco Central Europeu (BCE). Agora existem sinais de que a disponibilidade de crédito para as empresas pode se contrair, com bancos e investidores requerendo ágio mais alto por risco.
O quadro do crédito é especialmente assustador para empresas dos países altamente endividados, nos quais as taxas sobre os empréstimos de negócios tendem a refletir o ágio por risco que o governo nacional esteja pagando.
Os títulos do governo grego ofereciam taxa efetiva de juros de quase 8% na terça-feira, mesmo depois que a União Europeia prometeu quase US$ 1 trilhão em garantias na semana passada para os seus membros mais endividados. Além disso, os bancos gregos também foram seriamente prejudicados pela crise da dívida de seu governo e pela desaceleração econômica, o que dificulta a realização de empréstimos por eles.
A captação empresarial nos mercados de títulos também está em declínio. As novas emissões de títulos por empresas europeias despencaram em abril, para US$ 28,5 bilhões ante os US$ 58,3 bilhões de março, de acordo com dados da Dealogic. Este mês, as novas emissões totalizaram apenas US$ 5 bilhões até o momento.
"A crise da dívida grega levou os spreads de crédito a um alargamento e os custos de captação a uma alta, o que fez com que as empresas interessadas em emitir títulos adiassem sua captação até que surja uma melhora nas condições de mercado", afirmou Christine Li, economista da agência de classificação de crédito Moody''s para o mercado da Europa, em nota de pesquisa.
O mercado de títulos em determinados momentos parece especialmente atento às companhias dos países mais endividados. O custo de seguro de títulos emitidos pela Telefónica, a operadora de telecomunicações sediada em Madri, quase dobrou de abril ao começo de maio, ainda que dois terços da receita da companhia sejam auferidos fora da Espanha.
"A percepção é a de que, caso Madri enfrente problemas, a Telefónica também enfrenta", disse Karsten Rosenkilde, administrador sênior de títulos empresariais na DWS, a administradora de fundos do Deutsche Bank, em Frankfurt. "Os títulos empresariais do Mediterrâneo foram os primeiros a sofrer, e vêm enfrentando dificuldades reais de recuperação".
Isso pode não ser justo, mas os mercados de crédito muitas vezes funcionam dessa maneira. Em muitos casos, as agências de classificação de crédito seguem a prática de "limites nacionais" de crédito, sob a qual empresas privadas que tenham necessidade de captação não têm direito a uma classificação melhor que a de seu país de origem, de acordo com um estudo conduzido em 2006 por economistas do banco central dos Estados Unidos.
Depois de crises de dívida soberana ou moratórias, constatou esse estudo, o crédito tende a se tornar mais dispendioso para todas as empresas de um país, e a reação delas é reduzir sua captação. O que muda na atual crise de dívida soberana é que os ágios por risco continuam baixos nos países europeus que os investidores percebem como refúgios seguros.
A cervejaria holandesa Heineken, por exemplo, levantou US$ 725 milhões na semana passada junto a investidores institucionais, com juros de 4,5% e prazo de oito anos. A empresa sediada em Amsterdã então fez um swap da dívida por meio de papéis denominados em euros, a uma taxa de juros ainda mais baixa, 3,9%. O efeito do crédito mais apertado sobre a economia como um todo provavelmente será limitado, a princípio, ao menos entre as maiores empresas. No ano passado, muitas delas aproveitaram os juros baixos para conduzir captação.
As empresas menores dos países do Mediterrâneo, que dependem de bancos locais para seus empréstimos, foram mais prejudicadas pela compressão de crédito. Companhias da Europa Oriental, ainda em recuperação depois da severa desaceleração sofrida pela economia regional em 2008, também sofrer o efeito da aversão bancária a riscos.
"Os bancos são muito mais cautelosos agora", disse Thomas Laursen, gerente do Banco Mundial para a Polônia e os países bálticos. "As condições de financiamento ao setor privado são muito mais difíceis, e isso afetou os investimentos".
O BCE tentou manter o fluxo de crédito ao autorizar empréstimos a bancos com juros de 1%. Como caução, a instituição está aceitando títulos, até mesmo da dívida pública grega, o que permite aos bancos converter esses instrumentos danificados de dívida em dinheiro.
O presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, costuma lembrar frequentemente aos bancos que sua expectativa é a de que emprestem o dinheiro obtido a baixo custo para empresas, a fim de fomentar o crescimento.
Por enquanto, porém, o quadro do crédito parece favorecer empresas da Alemanha, França e outros países, que ainda desfrutam da confiança dos investidores em títulos.
John Leahy, vice-presidente comercial da Airbus, a fabricante de aviões sediada em Toulouse, França, disse que o financiamento de novas entregas de aviões não foi afetado pelas flutuações do mercado, até o momento. "Por enquanto, tudo bem", disse. "Não estamos vendo problemas reais".
Rosenkilde previu que o mercado de títulos empresariais poderia se recuperar rapidamente caso os investidores se tornassem mais confiantes na capacidade da Europa para superar a crise da dívida soberana.
Até que isso aconteça, Tadeusz Nowicki, de Varsóvia, presidente da Ergis-Eurofilms, uma empresa de processamento de plásticos, diz que terá de segurar seus investimentos.Não importa que a Polônia seja uma das economias europeias de mais rápido crescimento ou que seu lucro tenha crescido em 70% no ano passado, para 17 milhões de zloty (US$ 5,1 milhões), mesmo em meio a uma recessão mundial.
Os bancos, diz Nowicki, "sabem do desempenho de nossa empresa, e que pagamos sempre em dia". Mas, diz, "estou sofrendo mesmo assim. Tenho três ou quatro projetos prontos e não posso implementá-los devido ao acesso limitado a crédito. Os bancos não querem emprestar".
Tradução: Paulo Migliacci ME
http://noticias.terra.com.br/interna/0,,OI4445807-EI8177,00.html
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