“Não devemos acreditar em tudo nem duvidar de nada, não há consciência e responsabilidade sem informação.”
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
CRUZADAS E LUTERO
Recentemente, dois filmes ficaram em evidência – por sinal foram muito bem feitos: Refiro-me a “Cruzadas” e “Lutero”. A espiritualidade achou conveniente que juntemos estes dois assuntos e façamos um apanhado dos últimos mil anos de História, para tentar entender o pano de fundo em torno do legado do Mestre Jesus, observando a perspectiva da fé católica e da fé protestante, e compreendermos o porquê de nos dias atuais as coisas estarem na forma que estão.
Quem assistiu ao filme “Cruzadas”, perceberá um conflito entre duas culturas: a européia e a turca mesclada da cultura árabe.
Jerusalém sempre foi uma cidade muito importante para as religiões judaicas, depois para a religião cristã e mais recentemente, para a muçulmana.
Por volta do ano 900 d.C., ou seja, há 1.100 anos, enquanto os árabes dominavam Jerusalém, as famílias européias, os reis europeus, o próprio Papa, os prelados do Vaticano podiam, livremente, dirigirem-se para lá, sem qualquer problema. Porém, quando os turcos sarracenos a dominaram, eles passaram a cobrar uma espécie de pedágio aos visitantes e peregrinos em viagem.
Nos últimos séculos há um hábito religioso entre os muçulmanos, de ir ao menos uma vez por ano (aqueles que têm posses), à cidade sagrada de Meca. Nesse tempo existia também o hábito entre os europeus ricos, mas também existiam caravanas de peregrinos, que iam visitar a Jerusalém, uma vez por ano. Como os turcos sarracenos dominaram Jerusalém e seus caminhos, os europeus que para lá se dirigiam, foram obrigados a pagar pedágio.Foi por volta do século XI, que surgiu a chamada organização dos Templários – ou Cruzadas –, foi uma organização de homens europeus, que, com a melhor das intenções visavam proteger os caminhos que levam a Jerusalém, dando segurança aos peregrinos europeus que para lá se dirigiam.
As primeiras Cruzadas – capitaneadas pelo Vaticano, em consórcio com alguns dos reis da Europa – conseguiram tomar Jerusalém do domínio turco-otomano. Lá se estabeleceu um rei europeu chamado Balduíno – cuja descendência, durante algum tempo, também se tornavam monarcas. Mas durante todo o tempo do reinado europeu, o rei turco Saladino, a contra parte de história, tentou reconquistar Jerusalém.
A partir destas guerras entre turcos e europeus, envolvendo árabes e outras etnias, uma espécie de “tragicomédia” foi sendo encenada, por uma disputa entre as forças das culturas religiosas católicas e muçulmanas e isso desgastou por demais a Igreja Católica.
A Igreja Católica passa a “vender da própria alma”, passando a desfigurar cada vez mais o legado do Cristo, contrariando os seus ensinamentos. Visavam conseguir recursos financeiros a fim de financiar exércitos – que se dirigiam para Jerusalém –, para construir catedrais e para organizar, dentro do aspecto “mundano” da vida, as forças católicas para dominação e a Igreja foi se desfigurando cada vez mais.
Por isso, dos séculos XII ao XVI, homens e mulheres começaram a assumir posturas que confrontavam esta “desfiguração” que a Igreja estava promovendo em torno do legado do Cristo. Assim, Wilhelm Ockham, John Wycliff, Jan Huss, foram exemplos de homens que ao longo desses séculos, foram dando início a uma espécie de “movimento de rebeldia” contra o clero e a cúria romana, por estarem desfigurando por completo a mensagem do Cristo.
Assim, chegamos ao século XVI, o momento em que Lutero surgiu é muito bem retratado no filme Lutero. Era um momento em que a Igreja Católica utilizava-se de diversos expedientes para conseguir dinheiro. Foi quando o famoso Livro das Taxas da Sagrada Chancelaria Apostólica fez mais sucesso. Era um livro criado por padres da Igreja, onde estavam descritos todos os pecados que um ser humano poderia cometer. Ao lado do pecado, o preço da indulgência, que o pecador deveria pagar, para, em comprando a indulgência, provavelmente mostrá-la a São Pedro, quando morresse, para poder entrar no céu. Esse era considerado o livro mais importante da Igreja. Ela vendia indulgência para tudo.
Para nós, os ditos homens e mulheres modernos do século XXI, isso é algo tragicômico, mas para quem viveu no início do século XVI, não o era. Porém, naquele tempo, era algo bastante natural. Era uma crença terrivelmente posta na figura do demônio. Ou comprava a indulgência ou o demônio dominaria o indivíduo e/ou sua família, e eles jamais entrariam no reino dos céus – todos iriam para o “inferno”, permanecendo para sempre… Esta foi a época da História em que o demônio mais ganhou feições, foi a época em que o inferno foi mais aclamado, para amedrontar as pessoas, com a intenção maior de dominação psicológica.
Foi exatamente contra esse “estado de coisas” que o destino envolveu este homem genial chamado Lutero. Ele desaguou uma tensão acumulada ao longo dos séculos, uma espécie de revolta, de rebeldia contra aquele estado de coisas, dentro da Igreja Católica, que seria a Casa Mater que administraria a mensagem de Jesus.
Lutero foi formado pelos seus pais. O seu pai era um homem simples, trabalhador, mas tinha muita sensibilidade e era um homem letrado. Repassou tudo isso ao filho. Quando Lutero tinha aproximadamente 16 anos, foi tido como uma espécie de gênio. Ele jamais pretendeu ser padre – não gostava –, era voltado para o estudo acadêmico das principais matérias do tempo em que viveu. Mas, por volta no ano 1505, voltando de uma viagem – o filme retrata este momento muito bem –, desaba uma tempestade algo singular, por onde ele viajava. Raios terríveis caiam perto dele e ele achava que iria morrer. Naquele momento de desespero fez uma promessa a Santana, a qual somente ele sabia – Santana era a santa padroeira de sua família, que era católica. Se ele chegasse vivo na cidade, ele entraria para a ordem católica dos Agostinianos. Por ter escapado, sendo um homem reto na sua conduta e nas suas promessas, ele entra no catolicismo tornando-se monge, sem o talento natural para isso. Ele era alguém com o cérebro brilhante.
Mas vejam os caminhos que o destino às vazes coloca as pessoas: por ser brilhante, foi sendo nomeado dentro da hierarquia católica e foi deslocado para a cidade de Wittenberg, (Alemanha) onde se tornou doutor em teologia, em menos tempo do que qualquer outro teólogo de seu tempo. Naquela época, quando os teólogos queriam discutir um determinado tema, era costume pregá-lo na porta da igreja onde ocorreriam reuniões para discutir teologia. O assunto em questão ficava exposto como forma de convite, para que todos pudessem versar sobre o tema.
Lutero ao ver toda a miséria moral, material, espiritual e emocional que dominava sua região, na Alemanha, começou a indignar-se contra aquele estado de coisas. O grande mérito e lucidez de Lutero é que ele, no século XVI, pensava como hoje qualquer cidadão esclarecido pensa e isso não é fácil. A sua antevisão era tão formidável que ele libertou-se do medo de estar ferindo a Igreja, e com a melhor das intenções, pretendeu reformá-la dentro dela. Ele jamais almejou fundar outra religião.
Ele pregou 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, no dia 31 de outubro de 1517, para serem discutidas, e a partir daí o mundo nunca mais foi o mesmo.
Diante da “provocação” de Lutero, em discutir as questões, sob a ótica do cristianismo, ao tempo dos apóstolos, o papa Leão X, responsável por assinar as indulgências, começa a ameaçá-lo. Mas Lutero era alguém brilhante e todas as pessoas da sua época minimamente tendentes à lucidez e ao tirocínio, ficaram ao seu lado, na confusa discussão em torno da venda de indulgências. Quando ele foi excomungado, a Alemanha estava dividida em reinos, e esses foram se agregando às idéias de Lutero, com algumas exceções.
Na minha ótica pessoal, e ao que parece, também na ótica dos amigos espirituais, Lutero foi muito mais do que um homem religioso. Foi um soldado valoroso, na questão da cidadania. Ele era muito mais um homem com visão acadêmica, do que, necessariamente, um homem “de fé”, embora fosse atormentado pelo “medo do demônio” – já que cogitou estar fazendo algo equivocado. Ele jamais pretendeu ser o “dono da verdade”.
O Grande legado de Lutero:
Primeiro, ele foi o primeiro homem, em um período de 1.500 anos, a dizer, publicamente, que não era necessário haver qualquer intermediário ou sacerdotes, entre o ser humano e o Pai Celestial. Ele retomou ao chamado evangelho de Tomé, chamado também de “Quinto Evangelho”, não muito conhecido (aqui nos referimos a Judas Dídimo Tomé, apóstolo de Jesus, que escreveu em seu evangelho com mensagens recebidas diretamente de Cristo. Seu livro pertence à coleção de evangelhos gnósticos, sendo, portando, diferente dos quatro evangelhos sinópticos e do evangelho de João).
Segundo, Jesus havia dito que seria dado a cada um conforme suas próprias obras, a Igreja transformara o que seriam “obras” em “indulgências”. Sendo assim, não adiantava o indivíduo esforçar-se no bem, ser amoroso ou honesto. A única maneira de não ir para o inferno era comprar a indulgência. A Igreja transformara a mensagem de Jesus em “indulgência”.
O que Lutero poderia dizer aos miseráveis do século XVI que passavam fome tentando juntar dinheiro para a compra de indulgências? Ele disse o óbvio: “basta ter fé em Jesus”. Na impossibilidade de criar algo mais profundo, seguindo uma premissa lógica, Lutero disse: Não passem fome; não vendam seus animais para comprar indulgências; basta ter fé… O discurso dele era político, perante a situação em que estava vivendo. Qual ser humano minimamente lúcido não diria o mesmo se lá estivesse?
No entanto, distorções advindas da imperfeição humana, já começaram a corroer o legado de Lutero, quando ele ainda era vivo. Teólogos puritanos, surgidos depois de Lutero, transformaram a doutrina da justificação pela fé, numa afronta à própria mensagem de Jesus. A mensagem de Jesus era: “A cada um será dado conforme suas obras”.
Terceiro, com sua genialidade reestruturou a língua alemã do seu tempo. Foi o primeiro homem a traduzir a bíblia para o Alemão, a partir da versão vulgata, que Jerônimo, com uma comissão de notáveis, havia compilado no século IV D.C.
Quarto, ele devolveu ao ser humano a capacidade de expressar a cidadania livre. O seu grande legado repousa, além disso, na liberdade religiosa. Hoje, Lutero é tido como “o reformador”, mas nós não aprofundamos a grandeza desse homem e de seu legado. Nem mesmo os segmentos protestantes da atualidade o aplaudem e o homenageiam com as próprias atitudes e exemplos, o seu legado. Nós, Cristãos, 2.000 anos depois, estamos afastados das reais intenções de Cristo, por causa de nossas imperfeições
A Igreja dominou cerca de 1.300 anos, provocando um profundo obscurantismo intelectual. Lutero foi o primeiro homem no ocidente que teve a coragem de romper com essa imposição. Mesmo se pondo em risco, homenageou indivíduos como Jan Russ, John Wycliff, Wilhelm Ockham. Ele reformou o seu tempo e as mentes das pessoas, dando o seu testemunho de liberdade religiosa, livre expressão de cidadania política e mostrou que não é necessário que alguém seja o intermediador entre a alma de um indivíduo e o Pai Celestial.
Em 1546, Lutero se vai para a espiritualidade. O protestantismo já estava formado por diversas igrejas livres e independentes, que tinham como base filosófica o legado de Lutero.
Nesse ponto histórico outras questões surgem. Começaremos a analisar como os aspectos religiosos que interferem nos aspectos políticos que regem as nossas vidas. Analisaremos tais aspectos levando em conta o pano de fundo do século XVII, na Inglaterra e na Escócia.
O rei Carlos I, da Inglaterra, no início do século XVII, era vinculado ao catolicismo e tinha acordos políticos com o Vaticano. No entanto, a reforma protestante, desencadeada por Lutero, na primeira metade do século XVI, já havia se espalhado para além das fronteiras da Alemanha, invadindo todos os países da Europa, demorando um pouco mais a chegar na Inglaterra. Quando chegou, o rei Carlos I começou a perseguir aos protestantes.
Os protestantes, na Inglaterra, seguiam mais a linha de Calvino do que a de Lutero. Calvino era um suíço bem intencionado, um homem de inteligência brilhante. Porém ele introduziu no legado de Lutero alguns aspectos comportamentais aos quais Lutero jamais se referiu. Foi nessa linha “calvinista” que surgiram os protestantes na Inglaterra. Eles se autodenominavam “puritanos” por defenderem o “princípio fundamental da fé puritana”. Esse principio surgiu da necessidade de proteger a liturgia pura.
Como muitos escritos ainda eram produzidos pela Igreja Católica, seus cultos se pareciam com as missas, e eles não queriam nada que lembrasse as questões de indulgências. Dessa forma estavam defendendo a pureza, e a pureza na liturgia dos cultos só poderia ser alcançada, se a pureza da palavra de Deus fosse seguida. Eles passaram a ter como princípio fundamental de sua crença na análise da literalidade das palavras escritas na Bíblia. Essa interpretação literal foi tida como a interpretação “pura” da Bíblia. Mas Deus nunca pediu que se interpretasse a Bíblia de forma literal radical. Os puritanos criaram isso, Lutero nada teve a ver com essa questão.
Os puritanos ingleses eram homens e mulheres extremamente bem intencionados, competentes, cidadãos honrados, eram as melhores famílias, em termos de postura moral. – diz a espiritualidade. Na época em que viveram foram perseguidos pelo Rei Carlos I. Por isso fugiram da Inglaterra em navios – um deles foi o navio May Flower – aportaram nos Estados Unidos da América, em 1620. Aqueles puritanos ingleses, que chegaram aos Estados Unidos fugidos da perseguição do rei Carlos I – que se autodenominava católico, mas que de católico não tinha nada –, povoaram aquele país e foram a pedra angular do surgimento de uma grande nação.
Os Estados Unidos são uma grande potência porque aqueles puritanos do século XVII, que eram competentíssimos, responsáveis e honestos, lá chegaram e não tinham a intenção de tirar de lá produtos para vender na Europa, nem de retornar para seu país de origem. Eles se estabeleceram. E assim, eles marcaram a gritante diferença existente entre o progresso na América do Norte e o progresso que não ocorreu na América do Sul. Para cá, vieram portugueses e espanhóis agindo dentro da ótica das colônias. Visavam apenas retirar os produtos do Brasil para vende-los, visando o enriquecimento das coroa portuguesa e espanhola.
Hoje, sociólogos situam os puritanos como sendo os agentes mais importantes no progresso dos Estados Unidos e explicam o atraso social na América Latina, como sendo uma resultante da ação dos espanhóis e portugueses daquela época. Não que queiramos dizer aqui que puritanos ingleses sejam melhores do que espanhóis e portugueses, a questão está na intenção, no objetivo e na postura daqueles que chegaram na América Latina, apenas para retirar matéria prima para enriquecer a Europa. Não foi essa a postura dos puritanos, com relação aos Estados Unidos da América.
Se os puritanos tivessem aportado no Brasil, ou outros países da América do Sul, a nossa história seria muito diferente, por ele serem extremamente competentes e honestos. Eles se estabeleceram nos Estados Unidos com a intenção de ali criar um novo lar.
A questão protestante movimentou o mundo como um todo: Os Estados Unidos surgiram a partir de uma perseguição dos católicos aos protestantes. Na Inglaterra, surgiu Oliver Cromwell, que depôs o Rei Carlos I e, durante 30 anos, os puritanos dominaram a Inglaterra – houve um progresso fantástico.
Mas ao longo dos anos, eles já não mais queriam somente a liturgia pura, o culto puro, eles passaram também a querer o “governo puro”, uma “vida pura” e a partir de então, estabeleceram os três pressupostos básicos da fé dos puritanos: a predestinação, o chamamento e o talento natural para a pureza.
Os puritanos, a partir do século XVII, passaram a acreditar que formavam um conjunto de homens e mulheres predestinados a atingir a salvação, e consideram que somente eles serão salvos. Esse hábito se iniciou no século XVIII, e mais uma vez, Lutero não teve nada a ver com isso.
Com esse tipo de postura passaram a ser antipatizados pelo resto da humanidade, por se acharem os únicos predestinados à salvação. Os demais irão para o inferno.
O que Lutero tem a ver com esse tipo de visão? O que Jesus tem a ver com esse tipo de visão? Nada.
Jesus até confrontou-se com os puritanos de seu tempo: os Essênios. Eles eram tão puritanos que nem se misturavam com as demais seitas judaicas, nem com os demais seguimentos dos judeus. Quando Jesus entrou em contato com os Essênios, eles disseram: “você não há de ser o Messias, por andar com prostitutas e pecadores”. Ele não foi tido como Messias pelos Essênios. João Batista, que era essênio, quando soube que Jesus estava andando em companhia de a, b, c e d, ele mesmo duvidou, a tal ponto, que enviou alguém para perguntar: “você é mesmo o Messias que eu pensei que era?” Jesus não aplaudia essa questão, talvez por razão óbvia: ele conhecia as imperfeições humanas. Quem de nós é puro?
Mas, os puritanos pretendem que a Bíblia seja pura, que lá, não exista erros. E por isso eles não conseguem explicar como um dos preceitos dos 10 mandamentos é “não matarás”, mas no mesmo livro, o tal deus Jeová, que entregou os 10 preceitos a Moisés, ordena a morte de muitas pessoas.
Ou seja: É deixar de perceber o obvio, e transformar algo que está embebido das imperfeições humanas, em algo perfeito. São sempre as nossas imperfeições que acabam por serem entronizadas como sendo mais importantes do que à vontade do Pai. O Pai nada tem a ver com isso.
O puritanismo deu origem a linhas calvinistas, que, no momento presente, desfiguram por completo o legado de Lutero.
Aqui deixo os amigos espirituais de lado, e dou eu mesmo a minha opinião sobre a questão: Quando Lutero fecundou a reforma no mundo, diversas linhas distintas como os presbiterianos, os batistas, os anglicanos, os calvinistas, enfim, segmentos advindos do protestantismo começam a surgir. Duas dessas linhas são responsáveis pelo maior atentado ao que Lutero fez (na minha opinião). São estas: as linhas pentecostalistas e a calvinistas. O que elas fazem é muito pior do que o que a Igreja fazia na época em que Lutero se revoltou contra a venda de indulgências. Os Pentecostalistas de hoje dizem assim: Quanto mais se paga o dízimo, mais você poderá exigir de Deus. A palavra não é “esperar” é “exigir”. Isso é muito sério. Lutero, por muito menos do que isso brigou com toda a estrutura católica e as igrejas que surgiram a partir de seu legado. As que se dizem protestantes fazem muito pior do que a Igreja Católica fazia no passado. Isso é pior do que vender indulgências, nem papel eles entregam.
A Igreja Pentecostalista está vendendo água benta do Rio Jordão, areia santificada de algum lugar. No passado, a Igreja Católica pegava ossos de macaco para vender como se fossem ossos de Santo Ambrósio. E aquilo virava relíquia religiosa. Reis davam fortunas para terem um osso desse, como talismã, que servia para ir para a guerra. As lascas da cruz de Jesus eram pedaços de madeira tidos como objetos sagradíssimos. Lutero se posicionou contra tudo isso. Hoje, as igrejas pentecostalistas, que se autodenominam protestantes, fazem pior do que o que a igreja católica no passado.
Existem linhas muito sérias no protestantismo, formadas por homens e mulheres que vivem as suas religiões da forma mais bela que podem viver. Mas há também linhas completamente equivocadas. Da mesma forma que o catolicismo tem segmentos belíssimos, e também linhas equivocadas. E o mesmo ocorre com o espiritismo, que tem seguimentos honorabilíssimos e outros equivocados.
A verdade não está nessa ou naquela religião. A questão é que nós, seres humanos, estragamos tudo que abraçamos, mesmo com a melhor das intenções.
Para entendermos um outro aspecto do protestantismo, é necessário perceber que o que Lutero fez terminou influenciando praticamente o mundo inteiro, notadamente o Ocidente.
Nos capítulos XII, XIII e XIV, do Apocalipse, há referências ao fato de que depois que Jesus retornar a Terra terá mil anos de felicidade e que todos viverão em paz. A crença nesse período de paz criou uma cultura chamada “Milenarismo”, que foi abraçada por diversas linhas protestantes.
Nós somos tão engraçados no trato das coisas espirituais e celestiais que realmente damos o atestado da nossa incompetência.
Alguns milenaristas, nos séculos XIV e XV – estes ainda não eram protestantes – e nos séculos XVI, XVII e XVII – já protestantes – foram “apressados”. Em aproximadamente 1.540, por exemplo, na cidade de Munster, na região de Alsácia (localizada parte na a França e parte na Alemanha), os milenaristas chegaram à conclusão de que Jesus chegaria naquele local – Munster –, naquele ano. Como Jesus não chegou, eles desistiram de esperar e resolveram impor os mil anos à força. Armaram-se e invadiram a cidade.
Outros grupos, na República Checa (como hoje a chamamos) e na Alemanha diziam não era nem preciso que Jesus chegasse. Afirmavam que a volta de Jesus era uma coisa figurada e eles mesmos resolveriam a questão, impondo o “milênio” à forca das armas.
O Brasil foi descoberto da forma como foi, devido à crença milenarista de um rei chamado Manoel, o Venturoso.
No livro de Daniel (grande profeta que viveu no cativeiro na Babilônia, 586 a.C. O novo império Babilônico, sob o comando de Nabucodonosor, conquista o reino de Judá levando-o a cativeiro), denominado livro de Daniel, diz que depois do seu tempo surgirão outros impérios. Ele nomeou esses impérios com símbolos de animais. Daniel se referiu ao império que surgiria 300 anos depois, capitaneado por Alexandre Magno. Depois, referiu-se ao império dos Celeus e ao império dos Romanos. Ele também menciona um quinto império, que surgiria na época da “graça” na Terra.
Os milenaristas, logo vincularam esse que seria o “quinto império de graça”, mencionado por Daniel ao chamado “milênio”. Mas ninguém mais desejava esperar a chegada de Jesus, eles queriam criar o milênio por eles mesmos. Então Dom Manoel, o Venturoso e o rei Dom Sebastião de Portugal, acreditavam fortemente na crença do milênio, e que tal milênio seria estabelecido por Portugal. Portugal seria a “grande nação” do mundo – que iria converter nações não cristãs ao cristianismo. Foi com essa crença que a escola de navegação marítima de Portugal foi criada, e foi com esse espírito que os navegadores de Portugal lançaram-se ao mar, para colonizar outras terras e catequizá-las, para torna-las cristãs. Mas o pano de fundo das conquistas, a visão da elite portuguesa era que eles iriam estabelecer o milenarismo.
Isso era tão singularmente importante para os portugueses, que o poeta português Luiz de Camões, que viveu naquele período, em uma das suas obras mais bonitas, Os Lusíadas, diz em determinado trecho:
“Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Porque outro valor mais alto se alevanta.”
Camões dizia que as vitórias de Alexandre Magno e de Trajano, que foi um grande conquistador romano, não representavam nada diante daquele novo valor que se levantava com Portugal. O que os sábios gregos e troianos, ou seja, Homero e Cícero diziam, nos feitos épicos, não tinham importância alguma diante das navegações que Portugal agora fazia. Ou seja, parte do épico português, Os Lusíadas, fala dos feitos do milênio, que seria iniciado por Portugal. Esse era o espírito.
O Brasil foi descoberto através de um processo que nasceu da crença milenarista dos reis portugueses. Observem, com isso, como crenças criadas sobre o legado de Cristo – que pouco têm a ver com o que Jesus disse – terminam influenciando, através do movimento das forças religiosas católicas, protestantes e de outros segmentos modificaram as histórias de muitas nações, que são explicadas através do movimento de tais forças. O que Jesus tem a ver com isso? E o que Lutero tem a ver com isso?
Em resumo: De Lutero, devemos nos recordar que o que ele fez no século XVI, até hoje, tem influenciado o mundo. Pena que o seu legado não foi devidamente entendido, nem sequer entre os segmentos do próprio protestantismo.
Pietro Ubaldo já dizia que nós, cristãos, 2000 anos depois, ainda não levamos Jesus a sério. De fato, ainda não o conseguimos leva-lo a sério, que dirá de levar Lutero a sério.
Porém, a quem interessar possa: nós temos pouco tempo para nos tornarmos cidadãos sérios diante da vida, pois parece que o chamado milênio está chegando. Mas está chegando através de quem tem estatura moral, o próprio Jesus, para nos motivar a construir um novo mundo, uma nova forma de viver na Terra.
Mas não será, no entanto, Deus, ou Jesus, ou Bezerra de Menezes, ou Santo Antonio de Pádua, nem os extraterrestres que farão por nós, que moramos na Terra, o que precisamos fazer por nós mesmos.
Nós não precisamos saber nada do que aqui foi dito, precisamos somente homenagear Jesus, Lutero e outros grandes homens da nossa História, que deram suas vidas e suas sensibilidades, somente com o intuito de dignificar a vida humana. Jamais pretenderam criar religiões.
Que façamos nós a nossa parte, da forma que pudermos, ao longo de nossas vidas.
Jan Val Ellam
Reunião Grupo Atlan –
Natal, 23 de maio de 2005
Transcrição: Luiz Carlos
Fonte: http://www.orbum.org/2010/08/cruzadas-e-lutero/#more-1382
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